8 de jun. de 2023

STJ: testemunho indireto (o testemunho do "ouvir dizer") não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime

Conforme entendimento da Corte Superior, testemunho indireto (o testemunho do "ouvir dizer") não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime. 


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHOS PRESENCIAIS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. HEARSAY TESTIMONY. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS JUDICIAIS VÁLIDAS. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. TEORIA DA PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA. PRODUÇÃO DAS PROVAS. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. 

1. Na hipótese, verifica-se que não foram ouvidas testemunhas presenciais, na medida em que o próprio Ministério Público as dispensaram, dos fatos em juízo e as testemunhas inquiridas judicialmente, policiais que atenderam a ocorrência, por sua vez, narraram apenas fatos que ouviram dizer acerca do crime narrados pela vítima e pela mãe da vítima que estava no local do delito, não havendo outras provas válidas a corroborar tais testemunhos. 

2. Assim sendo, os testemunhos indiretos não autorizam a pronúncia, porque são meros depoimentos de "ouvir dizer" - ou hearsay, na expressão de língua inglesa -, que não tem a força necessária para submeter um indivíduo ao julgamento popular. 

3. Portanto, tem-se que todos os depoimentos colhidos em juízo aconteceram apenas de "ouvir dizer". Nenhum deles, como visto, é aceito pela jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça como fundamento válido para a pronúncia, de modo que o acórdão impugnado efetivamente afrontou o disposto no art. 155 do CPP. 

4. Ora, se os policiais não presenciaram os fatos, não podem ser considerados testemunhas oculares, aferindo-se, dessarte, que os seus depoimentos somente poderiam ser prestados de forma indireta. Assim, "o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de "o ouvir dizer" ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime [mormente porque retira das partes a prerrogativa legal de inquirir a testemunha ocular dos fatos (art. 212 do CPP)] e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu. Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP." ( AREsp 1.940.381/AL, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). 

5. Ainda que o Ministério Público tivesse envidado esforços para localizar possíveis testemunhas do ocorrido, registra-se que é ônus da acusação, e não do acusado, a produção das provas que expliquem a dinâmica dos fatos. Mutatis Mutandis, "se o Parquet não conseguir produzi-las, por mais diligente que tenha sido e mesmo que a insuficiência probatória decorra de fatos fora de seu controle, o acusado deverá ser absolvido." ( AREsp 1.940.381/AL, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). 6. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg no HC: 725552 SP 2022/0051455-0, Data de Julgamento: 19/04/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2022)


HABEAS CORPUS. TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEDUÇÕES, EM TESTEMUNHO INDIRETO E NO HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU. OFENSA AO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVALORAÇÃO DA PROVA INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE. 

1. "É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória." ( AgRg no AREsp n. 1.847.375/GO, relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 1º/6/2021, DJe 16/6/2021.) 

2. Na hipótese em apreço, a formação do juízo condenatório se baseou na apreensão de drogas realizada em estabelecimento comercial do qual o paciente não era o proprietário. Os entorpecentes tampouco foram arrecadados em seu poder, além de os demais elementos de convicção se tratarem de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relato prestado informalmente por vizinho do local. 

3. O fato de o paciente frequentemente ser visto no bar em que apreendida a droga não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso. 

4. O relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte. 

5. A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não constituir fundamento idôneo para a condenação. 

6. "Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal" ( HC n. 632.778/AL, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/3/2021, DJe 12/3/2021). 

7. Como se vê, se nem mesmo elementos colhidos exclusivamente na fase inquisitiva podem ser considerados para um decreto condenatório, com ainda menos razão poderão se considerar depoimentos colhidos informalmente na fase policial e não repetidos em juízo para justificar uma condenação. 

8. Apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva. 

9. Habeas corpus concedido para absolver o paciente.


(STJ - HC: 691344 MG 2021/0283794-8, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 08/02/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2022)

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