7 de mar. de 2021

STF: Se acusado for "mula", quantidade de droga não justifica prisão preventiva

O entendimento do STF, no julgamento do agravo regimental em habeas corpus (HC: 195990 SP), é que mesmo se a quantidade de droga apreendida for expressiva, "isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de “mula”".

(Link do voto em PDF)


R E L A T Ó R I O

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal, contra decisão que concedeu a ordem no habeas corpus para revogar a prisão preventiva do  acusado, fixando-se medidas cautelares alternativas. (eDOC 13) 

No presente agravo, a PGR postula a reconsideração da decisão agravada, haja vista a superveniência de sentença condenatória com fixação do regime fechado para cumprimento inicial da reprimenda. (eDOC 20) 

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): O agravante não trouxe argumentos suficientes a infirmar a decisão. Visa apenas à rediscussão da matéria, já decidida em conformidade com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.

Como já demonstrado na decisão ora agravada, trata-se de réu primário e de bons antecedentes. Embora efetivamente a quantidade de droga apreendida seja expressiva, nos termos da jurisprudência da Segunda Turma do STF, isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de “mula”, o que pode ser a hipótese dos autos. Assim, resta desproporcional a imposição de prisão preventiva.

Destaco que, nos autos do STJ, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso para que seja concedido ao recorrente o direito de responder ao processo em liberdade, mediante a imposição das medidas cautelares alternativas do art. 319 do CPP, nos termos do voto vencido proferido em segundo grau.

Afirmou que “nos autos, descreve-se conduta com os traços característicos de atuação na qualidade de “mula” do tráfico, onde o recorrente, tecnicamente primário, foi abordado pela polícia após a localização de veículo carregado com grande quantidade de drogas, a qual, confessadamente, foi contratado para transportar de Ponta Porã/MS até Presidente Prudente/SP, mediante pagamento de contraprestação estipulada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).”

Ademais, à corré do paciente, presa em circunstâncias semelhantes, foi concedida prisão domiciliar.

Reitero que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo. Nesse sentido, os seguintes julgados: HC 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, unânime, DJ 22.10.2004; HC 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, unânime, DJ 10.11.2006; HC 88.448/RJ, de minha relatoria, Segunda Turma, por empate na votação, DJ 9.3.2007; HC 101.244/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, unânime, DJe 8.4.2010.

Outrossim, sobretudo em face do decidido pela Segunda Turma, em 10.10.2017 e 18.12.2017, ao apreciar os HCs 143.247/RJ, 146.666/RJ e 147.192/RJ e 156.730/DJ (DJe 7.2.2018, 10.4.2018, 23.2.2018 e 29.6.2018, respectivamente), em que se entendeu pela concessão da ordem para substituir as prisões preventivas por medidas cautelares diversas da prisão, também verifico, no caso, a ocorrência de constrangimento ilegal suficiente para conceder o presente writ, na forma do artigo 319 do CPP.

Ressalto, por fim, que a prolação de sentença condenatória, com fixação de regime fechado, não impede o paciente de recorrer em liberdade, principalmente, ante a ausência de mudança fática no curso da instrução.

Mantidos os fundamentos da decisão agravada, porquanto não infirmados por razões eficientes, é de ser negada simples pretensão de reforma. Nesse sentido:

“Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação. Possibilidade. Tese preconizada pelo Tribunal Pleno no HC nº 126.292/SP. Questão reafirmada no Plenário virtual em sede de repercussão geral (Tema nº 925). Manutenção desse entendimento no julgamento plenário do HC nº 152.752/PR. Entendimento predominante na Corte, à luz do princípio da colegialidade. Excesso de prazo no julgamento do AResp dirigido ao STJ. Não ocorrência. Agravo regimental não provido”. (HC-AgR 147.353/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 5.9.2018)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental .

Decisão 

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Segunda Turma, Sessão Virtual de 12.2.2021 a 23.2.2021.

EMENTA. Agravo regimental em habeas corpus. 2. Tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006). 3. Liberdade provisória. Possibilidade. A prisão preventiva deve indicar, de forma expressa, os seguintes fundamentos para sua decretação, nos termos do artigo 312 do CPP: I) garantia da ordem pública; II) garantia da ordem econômica; III) garantia da aplicação da lei penal; e IV) conveniência da instrução criminal – o que não ocorreu no presente caso. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos, sendo necessário que a alegação abstrata ceda à demonstração concreta e firme de que tais condições se realizam na espécie. Dessarte, a tarefa de interpretação constitucional para análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade exige que a alusão a esses aspectos esteja lastreada em elementos concretos, devidamente explicitados. 4. Réu primário, sem antecedentes. Ausência de alteração fática. 5. Inexistência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido. (STF - HC: 195990 SP 0111600-39.2020.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 24/02/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 02/03/2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário