2 de abr. de 2021

HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E COVID-19

(Acesso ao arquivo em PDF aqui)


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA.


HABEAS CORPUS –

Autos originários nº 0000000-00.0000.0.00.0000

   

ROBERTO BORBA FILHO, brasileiro, advogado, inscrito na OAB/BA sob o n. 63.344, com escritório no endereço ..., onde recebe intimações, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, cumulado com os arts. 647 e 648, VI, do Código de Processo Penal, impetrar ordem de 

HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR 

Em favor de JOÃO SILVA, brasileiro, inscrito no CPF sob o n. 000.000.000-00 e RG 00.000.000-00, residente no endereço...; que se encontra preso nas carceragens da unidade prisional...; 

Em razão dos substratos fáticos e jurídicos a seguir expendidos, que sedimentam o constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente em decorrência da decisão proferida pelo Excelentíssimo Juiz da Vara Crime da Comarca de SALVADOR/BA, no bojo dos autos de nº 0000000-00.0000.0.00.0000, bem como em face da atual situação de pandemia do novo Corona vírus (COVID-19).  

DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA

Trata-se de remédio constitucional de Habeas Corpus em favor do Paciente JOÃO SILVA, o qual foi preso no dia 16.09.2020, por força de prisão temporária, conforme se depreende dos autos. O Paciente está preso preventivamente por força de mandado de prisão preventiva expedido em 15.10.2020 pelo magistrado da Vara Crime da Comarca de Salvador/BA, a requerimento do Ministério Público, por supostos fatos de crime de organização criminosa.  

A Denúncia acusatória, hospedada no ID 00000000, foi oferecida em 20.11.2020, em desfavor do Paciente e de outros 10 co-acusados, sendo que o Paciente se encontra inserido como incursos no art. 2º, §§ 2º e 4º, II, da Lei nº 12.850/13. 

Narra a inicial acusatória, em breve síntese, que em decorrência da Operação Enxame, constatou-se que o Paciente supostamente compõe organização criminosa voltada para a execução de delitos na cidade de Salvador e região. 

Quando do oferecimento da exordial acusatória, o órgão ministerial representou pela prisão preventiva do Paciente e de todos os outros denunciados, sendo que decisão dos Juízos a quo, constante no ID 00000000, ao tempo que recebeu a denúncia decretou a custódia cautelar do Paciente e demais acusados.   

De logo, cumpre expor que a decretação da prisão preventiva de JOÃO SILVA se mostra ILEGAL, uma vez que, nos moldes do art. 312, do CPP, não restou corroborado nenhum motivo legítimo que justifique a segregação cautelar. 

Antes de tudo, urge demonstrar que o Paciente possui residência fixa, é primário, portador de bons antecedentes e de boa conduta, tem histórico trabalhador, uma vez que é um servidor público e possui vários certificados relativos à sua profissão. 

O Paciente teve contra si decretada prisão pela autoridade coatora que, sem quaisquer resquícios de fundamentação, ignorando todas as suas condições pessoais favoráveis, apenas decretaram a medida extrema para garantia da ordem pública, sem fundamentar a decisão, contrariando dessa forma preceitos constitucionais e legais, conforme veremos a seguir. 

Disse o sucinto e singelo decreto objurgado (ID 82974138): 

(...) No caso em tela, há fortes indícios no sentido de que os denunciados integram organização criminosa e que estejam envolvidos nos delitos de homicídio consumado de ZZZZZZZZZZ e homicídio na forma tentada, que vitimou TTTTTTTTTTTT, ocorrido na data de 01/01/2018, por volta das 13h35m, na rua Souza Brito, Centro, Salvador/BA, além de serem investigados por outros homicídios (...) Além disso, JJOÃO SILVA está implicado no IP 000/2015/Salvador/BA (...) DIANTE DO EXPOSTO, com supedâneo nos arts. 311 e 312 do CPP, para garantir a ordem pública, conclui-se pela pela prisão preventiva dos réus: (...), devidamente qualificados na exordial acusatória, ficando à disposição deste juízo. (...) 

Conforme se vê acima, não há qualquer fundamentação no decreto de prisão preventiva lançado contra o Paciente. No caso dos autos, não é difícil constatar, pela mera leitura do decreto prisional, que a autoridade coatora apenas disse que, para se garantir a ordem pública conclui-se pela preventiva, entretanto de forma totalmente imotivada. Apenas isto e nada mais. Não há qualquer fundamentação na medida extrema. 

Além do mais, o único momento que menciona o nome do Paciente é para dizer que ele está implicado num Inquérito Policial em trâmite em Salvador, sem estabelecer nenhuma individualização de conduta. O Paciente nem mesmo fora denunciado pelo crime que ocorreu contra a vida de ZZZZZZZZZZ. A prisão preventiva foi decretada amparada na narrativa da peça acusatória do Parquet, sendo que esta também não logrou êxito em individualizar a conduta do Paciente e carece de provas que sustentem a suposta participação dele numa organização criminosa. 

A propósito, não são, evidentemente, os indícios de autoria que autorizam a decretação da custódia cautelar, muito menos o sentido de dar resposta a sociedade, torna-se indispensável também que tal custódia seja, em absoluto, necessária. A regra geral, consagrada pela doutrina e jurisprudência, é de se permitir, ao réu primário e de bons antecedentes, responder livre à acusação contra si endereçada. 

Não se pode afirmar que a retro mencionada decisão tenha sido “apenas deficiente” ou “meramente sucinta” na motivação. Não! O que se constata da leitura da decisão é a simplória fala da autoridade coatora, sem qualquer motivação, não explicando quais os motivos da prisão preventiva, apenas sob o sustento que era para “garantir a ordem pública”. O que efetivamente significa ordem pública? Por que foi decretada a medida de exceção para garantir a ordem pública? O Paciente precisa saber o porquê de sua prisão, mas não sabe qual foi o motivo pelo qual se encontra preso. 

O MM Juiz a quo decretou a medida de exceção do Paciente por entender que a prisão preventiva se tornava necessária para garantia da ordem pública. Sua Excelência, entretanto, não soube explicar por que o Paciente poderia perturbar a ordem pública caso ficasse em liberdade.

É de se observar, Excelências, que o juízo a quo não individualizou a conduta do Paciente e, dessa forma, ele não sabe a razão da sua prisão. Conforme mencionado e demonstrado, no decreto da prisão preventiva, a autoridade coatora somente menciona o nome de JOÃO SILVA uma única vez, consignando que ele está implicado num Inquérito Policial em trâmite em Salvador/BA, sem apontar qual seria a sua participação no suposto delito de organização criminosa, o qual fora denunciado. Não apontou pela razão de que as provas constantes nos autos são frágeis, colhidas em interceptações telefônicas QUE NÃO SÃO APTAS A INSERIR O PACIENTE EM NENHUMA CONDUTA DELITUOSA. 

De fato, a denúncia se baseia na premissa de que se o nome do Paciente aparece nas interceptações, provavelmente ele tem envolvimento com os supostos crimes investigados. Não há uma ligação telefônica interceptada e colacionada nos autos que inculpe o Paciente em participação de qualquer conduta criminosa. Além disso, não existe nenhum ganho patrimonial incompatível com a sua renda que pudesse ser utilizado como argumento acusatório. 

É importante consignar que das conversas colhidas em que o Paciente aparece, ele apenas relata, para alguém de nome MMM, que fora ouvido por investigadores. E na finalização da conversa ainda diz que falou toda a verdade aos investigadores. As conversas interceptadas foram a razão de sua incursão no delito de organização criminosa. É uma denúncia escandalosa, sem amparo probatório mínimo ou suficiente, um verdadeiro absurdo! 

Se é absurda a denúncia em desfavor do Paciente, ainda mais absurda é a restrição de liberdade que pesa contra si. Já são quase 06 meses de um cárcere ilegal e sem razões que o justifiquem. 

Faltou à Autoridade judiciária de primeira instância para com o dever legal, jurídico, processual e funcional de fornecer ao Paciente as razões pelas quais decidiu pelo decreto preventivo, uma vez que não fundamentou a medida extrema.                       

O Princípio da motivação das decisões judiciais, e necessidade de fundamentação quanto à mantença da prisão provisória, vem insculpida no art. 93, IX, da Constituição Federal. Vejamos: 

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação 

É fácil constatar a ofensa às regras constitucionais. Justificar, embasar, fundamentar uma decisão é obrigação da autoridade judiciária. 

Tem-se ainda o art. 315, do CPP, que exige fundamentação no despacho que decreta a medida prisional. Tal exigência decorre do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). 

                        Vejamos: 

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. 

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: 

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; 

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;  

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; 

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;    

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 

O magistrado está obrigado a indicar no decreto os fatos que se subsumam à hipótese autorizadora da decretação da medida. Decisões vazias, com a simples reprodução do texto da lei, ou que impliquem meras conjecturas, sem destacar a real necessidade da medida pelo perigo da liberdade, não atendem à exigência constitucional, levando ao reconhecimento da ilegalidade da prisão. 

Da análise da decisão prisional constata-se que o magistrado a quo não individualizou a conduta do Paciente, sem explicar a relação ou o nexo das suas ações com a causa. Na verdade, o juízo a quo não individualizou suficientemente a conduta de nenhum dos acusados. Reprise-se que o único momento em que mencionou o nome do Paciente foi em simples linhas indicando a sua implicação num inquérito policial. Decisão absurdamente teratológica, pois inexistem, e nem são apontados, elementos concretos aptos a revelar a gravidade da conduta e a periculosidade do Paciente! A decisão objurgada possui conteúdo lacônico, sendo que aponta de forma genérica os requisitos autorizadores da prisão preventiva. 

                        No aspecto, a sintomática forense: 

HABEAS CORPUS. ROUBO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO CARENTE DE FUNDAMENTAÇÃO. EXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Decisões de conteúdo lacônico, quanto às razões determinantes do resultado decisório, que se limitam a enumerar genericamente os requisitos autorizadores da prisão preventiva, caracterizam-se por violar o artigo 312, do Código de Processo Penal, bem como a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. ORDEM CONCEDIDA MEDIANTE A APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. (TJ-GO - HC: 02859112120198090000, Relator: ITANEY FRANCISCO CAMPOS, Data de Julgamento: 16/07/2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ de 16/07/2019) 

HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXTORSÃO. CONCUSSÃO. AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. CAUTELARES. Impõe-se a soltura com cautelares, se o decreto prisional preventivo estiver fundado em ilações, à míngua da presença de requisito concreto autorizador da prisão preventiva (CPP, art. 312). Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, concedida. (TJ-GO - HC: 03961408220188090000, Relator: IVO FAVARO, Data de Julgamento: 19/12/2018, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ de 19/12/2018) 

Fundamentar significa dar razões. Ministros, desembargadores ou juízes tem necessidade de explicar o porquê do seu posicionamento. Não basta que a autoridade jurisdicional mencione apenas que decretava a prisão preventiva do Paciente para a garantia da ordem pública, como aconteceu na medida atacada. 

O decreto prisional em nenhum momento disse quais as razões de ter sido decretada a medida odiosa, não explicou o porquê da necessidade da garantia da ordem pública, não desenvolveu qualquer raciocínio lógico, direto, explicativo naquele decreto prisional que pudesse justificar a medida que restringe a liberdade, ou seja, efetivamente não motivou a referida prisão, somente registrou que “para garantir a ordem pública, conclui-se pela prisão preventiva dos réus”. 

Cumpre, por oportuno, trazer as palavras do eminente professor Tourinho Filho[1], em crítica ao conceito vago de ordem pública: 

Ordem pública é expressão de conceito indeterminado. Normalmente, entende-se por ordem pública a paz, a tranquilidade no meio social. Assim, se o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais, sem que se consiga surpreendê-lo em estado de flagrância; se estiver fazendo apologia de crime, ou incitando o crime, ou se reunindo em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública. Diga-se, contudo, uma prisão por esse motivo não tem a menor intimidade com o processo penal, não apresentando caráter cautelar, como exigido. Ademais, a medida extrema fica ao sabor da maior ou menor sensibilidade do Magistrado, de ideias preconcebidas a respeito de pessoas, de suas concepções religiosas, sociais, morais, políticas, que o fazer guardar tendências que o orientam inconscientemente em suas decisões. O eminente Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, um dos pontos altos do Eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (rectius: da nossa Magistratura), analisando-a, observou com extrema propriedade: ‘Ordem pública é um requisito legal amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação, facilmente enquadrável em qualquer situação. 

Verifica-se, então, que o MM. Juiz de piso se fixou na garantia da ordem pública, e esta foi a razão motivadora da prisão do Paciente. No entanto, tal fundamento carece de suficientes razões e não está de acordo com os interesses da Justiça e, em assim sendo, pois assim o é, a prisão é desnecessária e ilegal. 

A prisão preventiva, decretada como garantia da ordem pública, torna-se necessária quando haja probabilidade de o indivíduo praticar novos delitos, tirando, enfim, a tranquilidade social. Contudo, Excelências, tendo em vista que o Paciente é primário, não possui maus antecedentes e não é reincidente, não há nenhuma evidência que ele venha praticar delitos, eis que os maus antecedentes e a reincidência são os sinais, os indicativos e indícios de uma presumível execução de novos crimes. 

Como dizer que o Paciente primário, possuidor de bons antecedentes, chefe de família e trabalhador, poderá perturbar o convívio social caso fique em liberdade? A garantia da ordem pública nada mais é do que uma medida de segurança, tendo por escopo proteger a sociedade contra novos atentados. 

Importante frisar que o Paciente sempre trilhou no caminho do bem, no labor como funcionário público do Estado da Bahia e nunca sequer se envolveu com o mundo do crime. Em seu histórico, não há nada que pese em seu desfavor! A sua conduta é e sempre foi ilibada! Como alguém assim poderia gerar riscos a ordem pública?? Como??? Meras interceptações telefônicas são capazes de abalar a tranquilidade social? O cárcere vivido pelo Paciente é profundamente constrangedor. 

Pois bem. Não existindo conduta criminal reiterativa que justifique a manutenção da prisão e não apresentando a conotação do Paciente ser temível socialmente, POIS NÃO TEM PERSONALIDADE VOLTADA À PRÁTICA DE CRIMES E É PRIMÁRIO, OU SEJA, NÃO ESTÁ INSERIDO NO CONTEXTO DA PERTURBAÇÃO DA ORDEM, NÃO HÁ FALAR QUE SUA PRISÃO INTERESSA À GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 

Assim, o fato de inexistirem motivos para a decretação da custódia preventiva do Paciente, além de sua primariedade e seus bons antecedentes, são fatores que ensejam a concessão da presente ordem de habeas corpus, para cessar o constrangimento ilegal por ele sofrido.  

No tocante à possibilidade de aplicação das medidas cautelares diversa da prisão cautelar, consoante a doutrina de Nucci[2]: 

Medidas cautelares alternativas: trata-se do cerne da reforma processual introduzida pela Lei 12.403/2011, buscando evitar os males da segregação provisória, por meio do encarceramento de acusados, que, ao final da instrução, podem ser absolvidos ou condenados a penas ínfimas.  

Denota-se, pois, que as medidas cautelares poderiam ter sido adotadas quando do momento da decretação da custódia preventiva. No entanto, neste momento, também podem ser decretadas, subsidiariamente, fazendo com que o Paciente seja posto em liberdade cumprindo o determinado por tais Nobres Julgadores.       

DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19)

Uma série de medidas têm sido recomendadas e adotadas pelo poder público a fim de proteger a população carcerária dos riscos provocados pela pandemia do vírus causador do COVID-19. 

Com efeito, a propósito de atuar diante de tal cenário causado pelo Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 62/2020, onde “recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.                       

O CNJ ainda afirma, de forma precisa e contundente, que “a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos;   

A propósito, ressalte-se o quanto estampado nos arts. 4º e 8º, da referida Recomendação 62/2020, senão vejamos: 

Art. 4º - Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

(...)

III – a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias. 

Art. 8º - Recomendar aos Tribunais e aos magistrados, em caráter excepcional e exclusivamente durante o período de restrição sanitária, como forma de reduzir os riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerar a pandemia de Covid-19 como motivação idônea, na forma prevista pelo art. 310, parágrafos 3º  e 4º , do Código de Processo Penal, para a não realização de audiências de custódia. 

§ 1º  Nos casos previstos no caput, recomenda-se que:

I – o controle da prisão seja realizado por meio da análise do auto de prisão em flagrante, proferindo-se decisão para:

a) relaxar a prisão ilegal;

b) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, considerando como fundamento extrínseco, inclusive, a necessidade de controle dos fatores de propagação da pandemia e proteção à saúde de pessoas que integrem o grupo de risco; ou

c) excepcionalmente, converter a prisão em flagrante em preventiva, em se tratando de crime cometido com o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa, desde que presentes, no caso concreto, os requisitos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e que as circunstâncias do fato indiquem a inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, observado o protocolo das autoridades sanitárias. 

Daí que, Excelências, sob a observância dos protocolos das autoridades sanitárias e da própria Recomendação do CNJ, que levanta a desnecessidade da prisão preventiva nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, é plenamente viável, nesse momento, evitar a segregação do Paciente em unidades prisionais. 

DA MEDIDA LIMINAR

Diante do quanto exposto, pretende-se pelo presente mandamus que seja concedida uma ordem liminar de habeas corpus, para que seja cessado imediatamente o constrangimento ilegal ao qual o Paciente está submetido. 

Para tanto, verifica-se a presença do fumus boni iuris nas provas pré-constituídas nos autos, que revelam que não teve qualquer fundamentação a decretação da medida extrema, ferindo o que dispõe a Constituição Federal e Código de Processo Penal. Além disso, o caso concreto não se enquadra na excepcionalidade prevista no supratranscrito art. 8º da Recomendação 62/2020 do CNJ, de modo a orientar a aplicação de medida cautelar distinta da prisão. 

Outrossim, o decisum não especifica a necessidade da prisão do Paciente, nem, sequer, menciona o periculum libertatis autorizador da medida. 

Entende-se, portanto, que, se não há qualquer motivação concreta na decisão sobre a necessidade da prisão do Paciente, esta há de ser revogada imediatamente, a fim de que se cesse, o mais rápido possível, o constrangimento ilegal causado por um cárcere indevido.

Portanto, reside no caso concreto o fumus boni iuris (ausência de motivação da prisão) e o periculum in mora (presumido pela restrição de liberdade) fundamentadores do pedido liminar em questão, para efeito de concessão imediata da ordem, que ora se requer.

DOS PEDIDOS

 Ex positis, requer a V. Exa.: 

a) LIMINARMENTE, que seja concedida a ordem liminar ao Paciente, pela qual se determine a REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA com aplicação ou não de medidas cautelares diversas da prisão, expedindo-se, por consequência, o respectivo alvará de soltura. 

b) No mérito, que seja reconhecido o constrangimento ilegal imputado ao Paciente, para lhe conceder a ordem de habeas corpus, destinada a relaxar ou revogar a prisão preventiva, ratificando a liminar eventualmente concedida. 

 

Termos em que,

Pede Deferimento.

Salvador, 02 de abril de 2021.

 

ROBERTO BORBA FILHO

OAB/BA 63344



[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011 – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 687.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. 2012. Pág. 679.

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